A vida escorrendo dos cabelos dela
14:26
Isabela
estava sentada ao lado da avó. O médico tinha dito, no seu linguajar todo
próprio, que ela morreria em alguns dias.
Naquela
tarde nublada, Isabela não conseguia parar de olhar a avó. Quantas mulheres ela
fora? Uma criança fofinha, qualquer idiotice vinda do bebê delicado acabava
ficando lindo. Uma adolescente misteriosa. Teria ela sofrido todas as crises da
idade? O que ela aprendeu com elas? Uma mulher bonita, aparentemente forte e
segura de si. Era verdade aquela força? Ou ela só se sentia segura às vezes? Ao
lado dos que amava ou quando encontrava paz e não estava mais perdida. A mãe.
Ser mãe é só amor. Isabela não era mãe, ainda era muito jovem para isso. Como
será que é viver só amor? Isabela achava que viver só amor provavelmente nunca
proporcionava só amor. Então a idosa. Só os lindos olhos restavam daquela que
ela fora fisicamente. O que ela aprendeu com elas? Aquela mulher tão velha, o
que ela aprendeu com as outras?
Ela não
sabia o que havia de mais importante para saber, sobre a avó. Não sabia se ela
já tinha amado muito. Não sabia se já tinha enlouquecido. Não sabia se chorava com
frequência ou raramente. Não sabia o que a avó pensava da vida. No entanto,
apertava a mão sem forças entre a sua, não queria jamais perdê-la. Porque ela
supunha com uma quase certeza, que sua avó sofrera e amara muito, mas que não
expunha nada sobre isso. Por quê?
Só uma vez,
no primeiro problema de coração, na primeira quase morte da avó, ela a ouvira
falando para o marido, seu avô:
- Eu senti que Deus me ama. Por quê?
Isabela
estava atrás da cortina do quarto de hospital público. Ela tinha entendido a
pergunta da avó, mas seu avô não.
- Porque ele te ama. – ele respondeu.
- Mas por quê? Por que ele me ama?
Havia algo
mágico sobre aquela mulher, que para a mãe de Isabela, devia ser a mesma coisa
que sua mãe era para ela. Era estranho, ver mãe e avó tão mortais.
Algo mágico
que ela – atrasadamente, sabia disso – queria ter tempo de descobrir o que era.
Ou talvez não, talvez só quisesse mais daquela sensação que a avó transmitia.
Isabela já
a odiara, já a desprezara, já a amara, ela já tinha tocado algumas vezes o
coração da neta, com aquele jeito estranho e meio cruel de amar. Algo entre o
sentimento de achar que sabe o que é bom para os filhos, e entre sua essência,
sua natureza, e o que ela aprendera com as outras mulheres que fora.
E tudo
aquilo, todos os pontos que consigo traziam outros pontos, se resumiam naquela
tarde a um único fato: ela ia morrer.
Isabela não
conseguia imaginar o que havia depois da morte. E mesmo assim a morte ser a
única certeza da vida, não fazia da vida algo essencialmente triste. Era
horrível, mas não era. Ela poderia ficar dias pensando naquilo, ou sair e
viver. Ela saia e vivia, aquele dia ela escolheu para morrer um pouquinho, ao
lado da avó que logo não teria mais escolhas.
Para onde ela
ia. Era isso que Isabela não conseguia ver, aceitar.
Na sua
postura sempre orgulhosa, até sua avó implorara um milagre em voz alta, no dia
anterior. Ela pediu a Deus que não morresse, disse para Ele que era porque
tinha medo.
Agora ela era mais
uma, o ser humano frágil. -Michelle Ribeiro
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